Elizabeth Caldeira Brito

Elizabeth Caldeira Brito
Casa de Campo em Alhué - Chile. Fotografia de Elciene Spenciere

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Goiânia, Goiás, Brazil
Elizabeth é Psicóloga, Professora de Educação Física e escritora. Sócia Titular-Cadeira 07 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Membro da Academia de Letras do Brasil. Diretora Regional do InBrasCI - Instituto Brasilieiro de Culturas Internacionais. É Conselheira do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de Goiânia. 2ª vice-presidente da Comissão Goiana de Folclore-UNESCO. Obra: Dimensões do Viver, poesias - 2004; Quatro Poetas Goianos e um Pintor Francês, biografias - 2004; O Avesso das Horas & Outros - El reverso de Las Horas y Otros - L'Envers des Heures & Autres, Edição Trilingue, poesias - 2007.Traduções de Yvan Avena (para o idioma francês), Perpétua Flores e Ana Maria Patrone (para o idioma espanhol). A cultura plural de Bariani Ortencio (org) Kelps, 2009. A vinda da Família Real para o Brasil-200 anos (org.)Kelps, 2009. Permanências , artigos, Kelps/UCG -Goiânia 2009.Santuário da Cultura Universal, ensaios, Kelps - Goiânia, 2010. Amayáz, poesias, Kelps, 2012. Formação de Goiás Contemporâneo, (org) artigos. Kelps, 2013. FOTOGRAFIA DE MONIQUE AVENA

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

NERUDA - O INQUILINO DE ISLA NEGRA



Neruda Escreveu em sua Ode ao Livro: “Livro, quando te fecho / abro a vida”. Ler Neruda. “...é trafegar, com o espírito de um viajante sem destino, por essa fronteira de mão dupla, livro e vida, vida e livro, que estamos sempre a fechar e a abrir”. Afirma Jose Castellano na Antologia Poética de Pablo Neruda.

Poeta da inconstância, do movimento, do susto e da intensidade, sem máscaras ou heterônimos multiplicou-se em vários. Destrinchou a inesgotável condição humana, num reflexo de imagens fragmentadas, volúveis e uma inquietude que tão bem representa no seu fazer poético. Não oferece opção ao leitor: ou mergulha inexoravelmente em sua poesia, de difícil acesso, ou não a terá verdadeiramente ao alcance.

Pablo Neruda nasceu em 1904, foi batizado de Neftali Ricardo Reys, mas em todos os seus livros sempre constou Pablo Neruda. Nome que se oficializou e se tornou verdadeiro, em 1946, quando já contava com 42 anos de idade. Seu nascimento se deu em uma pequena cidade ao sul do Chile, chamada Parral. Mas foi em Isla Negra, uma cidade na costa central do Chile, que após viajar pelos quatro cantos do mundo, que encontra o seu canto, junto ao oceano, inadvertidamente chamado de pacífico, para se instalar com sua terceira e última esposa Matilde e permanecer para além de seus dias.

Neste santuário poético tive o prazer de pisar os pés, mergulhar em seu mundo, conhecer a sua casa: o Museu Pablo Neruda. Uma magnífica habitação onde prevalece a presença de seu dono: as lembranças de sua infância, a fantasia, o humor e acima de tudo o mar, um de seus temas preferidos. A história de cada peça é muito bem relatada pelos cicerones que acompanham as comitivas de visitantes. Era ali que o poeta passava a maior parte do tempo escrevendo, sistematicamente nas madrugadas, em seus cadernos de desenhos, sentado na escrivaninha que pertenceu ao seu pai, José del Carmen Reyes. Os olhos encantados pelo mar, quando a lua resolvia o oceano clarear. Todos os aposentos têm visão para o oceano. Suas “paredes” de vidro, voltadas para a costa, são lentes transparentes que fitam o mar e o infinito.

A casa reflete o universo humano e poético de Neruda, suas infindáveis coleções o mantinham em constante elo com sua trajetória de vida, sendo quase sempre temas de seus poemas. São estátuas de proa, onde cada uma é personagem viva de suas histórias, veleiros dentro de garrafas trazidas de diferentes partes do mundo, estribos de várias localidades do planeta, mais de seiscentas peças de caracóis marinhos de todos os tamanhos, cores e variedades, instrumentos antigos de navegações e um cavalo de madeira de tamanho natural, trazido da cidade berço de sua infância. Fez-se necessário a construção na casa de mais um quarto, para abrigá-lo.

Aliás, a casa consumiu trinta anos para sua conclusão. À medida que aumentavam suas coleções, se sentia obrigado a ampliar um pouco mais sua residência. Há uma parede revestida de lápis lazúli, pedra azul de beleza extraordinária, que só existe no Chile, no Afeganistão e em Burma na Ásia.

A amizade, tema sempre presente em sua obra, (depois do amor, é o preferido do poeta), mereceu destaque também em sua casa. O bar é o local dedicado aos amigos. Enquanto os presentes se reuniam junto ao balcão, os ausentes (mortos) eram homenageados com seus nomes nas vigas do teto. Na entrada duas fotografias, de dois grandes amigos: Federico Garcia Lorca e Alberto Rojas Gimenes.

Assim como a visão do mar oferece uma perspectiva fundamental para perceber e compreender a evolução do poeta ao leitor atento, a sua atitude diante da amizade é também de grande importância. Ele mergulhava em uma destruição geral quando o tema surgia verdadeiro: a morte de um amigo. Neruda em Barcelona é informado da morte de seu grande amigo Rojas Gimenez e transcreve para a poesia uma visão quase surrealista da perda:

“Ouço as tuas asas e o teu lento vôo,
e a água dos mortos me bate
como pombas cegas e molhadas:
vens voando.

Vens voando, sozinho solitário,
sozinho entre mortos, para sempre sozinho,
vens voando, sem sombra e sem nome,
sem açúcar, sem boca, sem roseiras,
vens voando.”

O poeta como a pressentir a morte trágica, por fuzilamento do amigo Federico García Lorca, obcecado que era por manifestações antecipadas do cotidiano da morte, dedicou a ele poema elegíaco, quando o poeta espanhol estava ainda em pleno apogeu poético:

“Se pudesse chorar de medo numa casa sozinha,
se pudesse arrancar-me os olhos e comê-los,
fá-lo-ia pela tua voz de laranjeira enlutada
e pela tua poesia que sai dando gritos”...

Neruda viveu sem rótulos, avesso a erudição, possuía grande apego aos que se sentiam à margem da sociedade. Creditava o amor à natureza ao seu fazer poético. Sentiu-se poeta antes mesmo de perceber sua vocação. Sempre fiel aos seus temas: natureza, amigos e amores, afirmou que “um poeta deve ser um mito”. E tornou-se um mito. E o mito jamais morre.

Em 1971 ganhou o prêmio Nobel de literatura. No início da primavera de 1973 veio a falecer. Seu corpo ficou onde ele sempre quis estar: junto a sua casa e o mar, ao lado de sua Matilde (1912 – 1985). Às águas escuras do pacífico deitou seu corpo a contemplar o mar. Ficou para sempre no encantamento do mar amado. O túmulo é mais um espaço para o visitante se encantar com o bravio oceano de Isla Negra e testemunhar o perene descanso de um mito, que para sempre viverá no universo poético de nossa alma.

Namastê.

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