Elizabeth Caldeira Brito

Elizabeth Caldeira Brito
Casa de Campo em Alhué - Chile. Fotografia de Elciene Spenciere

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Goiânia, Goiás, Brazil
Elizabeth é Psicóloga, Professora de Educação Física e escritora. Sócia Titular-Cadeira 07 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Membro da Academia de Letras do Brasil. Diretora Regional do InBrasCI - Instituto Brasilieiro de Culturas Internacionais. É Conselheira do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de Goiânia. 2ª vice-presidente da Comissão Goiana de Folclore-UNESCO. Obra: Dimensões do Viver, poesias - 2004; Quatro Poetas Goianos e um Pintor Francês, biografias - 2004; O Avesso das Horas & Outros - El reverso de Las Horas y Otros - L'Envers des Heures & Autres, Edição Trilingue, poesias - 2007.Traduções de Yvan Avena (para o idioma francês), Perpétua Flores e Ana Maria Patrone (para o idioma espanhol). A cultura plural de Bariani Ortencio (org) Kelps, 2009. A vinda da Família Real para o Brasil-200 anos (org.)Kelps, 2009. Permanências , artigos, Kelps/UCG -Goiânia 2009.Santuário da Cultura Universal, ensaios, Kelps - Goiânia, 2010. Amayáz, poesias, Kelps, 2012. Formação de Goiás Contemporâneo, (org) artigos. Kelps, 2013. FOTOGRAFIA DE MONIQUE AVENA

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

MARIA LUÍSA RIBEIRO NO DOMÍNIO DO IMPOSSÍVEL

Maria Luísa nasceu em Goiânia. Foi a primeira e única mulher a ocupar a Presidência da União Brasileira de Escritores de Goiás, após 55 anos de fundação da entidade, em quatro mandatos consecutivos. Hoje, sob administração profícua de Edival Lourenço. Ela, em sua gestão, conseguiu uma nova sede. A mais bela e bem montada UBE do Brasil. Foi condecorada com a comenda da Ordem do Mérito Anhangüera. Exerceu o cargo de Delegada Regional de Ensino no Município de Jussara – GO. É autora do projeto “Porto do Escritor-Vitrine da Literatura Goiana” que disponibilizou, para dez cidades goianas, o acesso a seiscentos livros de autores da nossa terra. Publicou nove livros entre contos, poemas, romance e infantis.

Ninguém melhor para descrevê-la que ela mesma. Do livro Além do Alambrado: “Nascemos juntos: eu e o dia. Goiânia estava com frio - era junho, 18- e o sol, 27º de Gêmeos... Criança ousada e destemida convivi com os bichos e a natureza. E poeta já nasci. Do livro fiz, sempre, meu amigo mais íntimo. E da vida, meu momento maior. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Goiás busquei as leis como escudo contra as injustiças e em favor do homem-ninguém.

Religião, espiritualista. Culto, liberdade. Paixão, teatro. Fascínio, chuva (com relâmpagos). Se não fosse gente queria ser borboleta. E se pudesse escolher morreria à noite andando pela solidão onde fiz tantos versos.”

“A poesia não é ciência, mas arte e arte é forma e nada mais que forma”, afirma Jean Cohen. Acrescento: a poesia é, além de arte e forma, razão, emoção, ação, inspiração e transpiração. A linguagem poética de Maria Luísa confirma estas afirmações. É carregada de forma, razão, ação e emoção, além de alto grau de transpiração, o que a torna durável, perene e sempre atual. Elabora e expõe suas inquietações constantes e sua afirmação intimista, onde o pensamento se encontra nas interrogações. Amplia seu campo visual enfatizando a busca da inspiração, do sentimento e da justiça social, objetivo constante em sua vida.

A emoção e razão, ávidas para aflorarem, se tornarem palavras, gestos e ações, apresentam-se em seu auto-retrato no poema:

TATUAGEM

Se havia lua
não me lembro.
Mil estrelas despertadas pela emoção.
Grito voando pela noite.
Razão em farrapos
(azar dela!)
que se inclinou
e foi tapete do desejo.
Queria ser tesa,
louca, afoita
e tiveste a borboleta
tatuada no peito.

Brasigóis Felício, exímio escritor goiano, afirma, no prefácio de Além do Alambrado, “Que a poesia entrevista e captada pelo espelho poético de Malú Ribeiro, nos limites de tudo o que é humano, e além do Alambrado de nossa precária eternidade, possa deixar raízes de emoção e sentimento, assim provando que o fazer poético, este dom dos deuses, foi também concedido, em generosa e abundante lucidez, às mulheres, capazes como Malú Ribeiro, de saber:

A dor é pequena
a flor gigante
e a dor tão lúcida.”

É! Brasigóis tem razão! O dom do fazer poético foi concedido, não só aos homens, mas em abundância às mulheres, e quero crer, que especialmente às mulheres goianas, principalmente àquelas que como Maria Luísa Ribeiro (nas primeiras publicações usava o nome Malú Ribeiro), acreditam no impossível e realizam o improvável.


Namastê!

POESIA? FREUD EXPLICA.


Elizabeth Caldeira Brito

A obra de arte suscita atitudes diversas, aos olhos de quem vê, que podem ser, sensações ou reflexões acerca do objeto visto. Tanto a crítica literária quanto a psicanálise, conceituam a obra de arte, tornando possível a compreensão do processo criativo e da apreensão do público. Como afirma T. S. Eliot: “o papel principal do crítico de poesia é subsidiar o leitor a compreender e a se deliciar com a leitura de um poema”. Freud comenta o “poderoso efeito” que as obras tinham sobre ele, que era capaz de passar horas contemplando-as, na tentativa de apreendê-las à sua maneira, ou seja, explicar a ele “mesmo a que se deve o seu efeito”. Por esta percepção, ele foi buscar nos conflitos dos relacionamentos, os motivos para elaborações como a criação artística, os sonhos, as neuroses e a produção poética.

Para Freud, a arte é “um domínio intermediário entre a realidade, que nos nega o cumprimento de nossos desejos, e o mundo da fantasia, que procura sua satisfação.” A imagem, encontra-se presente, em todas estas elaborações que a psicanálise se refere. Para a compreensão desta imagem, sempre presente na criação artística, a crítica nos oferece subsídios fundamentais. Como confirma S. H. Burton, eminente crítico literário. Para ele: “o crítico deve primeiro tornar claro ao leitor o assunto de um poema e a atitude do poeta em face ao mesmo; segundo, dar ao leitor, clara e inequivocadamente, a opinião que ele (o crítico) formulou sobre o valor do tema e sobre o tratamento que lhe dá o poeta”.

O renomado teórico de crítica literária Alfredo Bosi, defende que antes da imagem tornar-se palavra, discurso ela se origina no corpo especificamente no id (o pólo pulsional da personalidade, para Freud) como uma catarse, que ao se transformar em palavras, cria um intervalo entre o corpo e o objeto que será preenchido pela analogia, que é a responsável pelo uso das metáforas e outras figuras que dão à poesia o peso de ser o que é. Para o renomado crítico literário Emil Staiger, a imagem na poesia lírica é de fundamental importância, enquanto fusão emotiva, entre o eu lírico e o mundo, e assim os seres do mundo exterior carecem de identidade “objetivamente” própria, visto que há “um-no-outro” lírico, onde a realidade é diretamente apreendida, “melhor que qualquer intuição ou qualquer esforço de compreensão.” Daí a explicação da característica alógica do poema lírico. Há aí o caráter íntimo, onde o eu lírico configura e exprime seu mundo interior. Emil Staiger acredita que a concentração em si mesmo do eu lírico, é devido à rejeição da sociedade que castra a realização dos desejos e sonhos do indivíduo, para ele o melhor mesmo é sentir e captar o ideário poético do autor. Na psicanálise de Freud todo indivíduo é inimigo da civilização, por adiar e controlar o princípio do prazer inerente ao ser humano, sem que possa por ele ser usufruído. Assim, é possível compreender a preferência em ocultar os conteúdos do imaginário dos sonhos, por serem quase sempre considerados perturbadores. Neste sentido, o escritor criativo exercita sua função cultural, quando expressa os seus devaneios e instiga no leitor suas fantasias secretas. Assim, o texto poético ou a prosa, num misto de estímulos internos e externos, se misturam entre o presente e o passado como em um sonho. Mas como afirma o escritor romancista, dramaturgo, biógrafo e crítico literário português João Gaspar Simões “...a poesia, tal como a concebe e realiza um Eugênio de Andrade, ...não engana ninguém quando é feita para enganar.”

O plurissignificado dos textos poéticos equivalem à sobredeterminação de conteúdos latentes no sonho ou devaneios. Na poesia há uma elaboração mais complexa e há ainda o uso de metáforas, reunindo em um só elemento ou imagem, diversos destes conteúdos. Para Freud as imagens dos sonhos são sensoriais (passíveis de serem mais que visuais) capazes de interpretações metafóricas e plurais. Já as imagens, na produção poética, são palavras elaboradas artisticamente, de maior complexidade e originalidade. Sugerem interpretações que vão além da existência de um sentido previamente. As possibilidades de interpretação, ultrapassam o autor e as condições especiais que originaram a imagem ou o conjunto de imagens. Daí a importância do crítico literário apresentar um norte ao leitor, para melhor compreensão do texto poético, conforme Carlos Buosoño conceitua o papel do crítico: “Estudar um poeta é comprovar o que este tem de comum com seus contemporâneos e com a tradição mediata e imediata, e o que tem de diferente, de inovador, de inventor.” Vez que o poeta não tem auto-estima própria. A dele reflete a humanidade e o contexto em que vive.

Existem diferenças significativas entre as imagens produzidas pelo sonho e as imagens da criação poética, afirma Freud. Naquelas as imagens são traduzidas a posteriori em palavras, nem sempre concordadas e com uma linguagem corriqueira. Na elaboração poética, as imagens (mesmo sendo de origem no corpo e nas pulsões do instintivo id), são de densidade, originalidade e elaboração artística, cuja autonomia leva vida a fora a sua própria vida, destacando-se do autor. Como enfatiza H. Heine em epígrafe em livro de Castro Alves: “Não sei realmente se terei merecido que um dia depositem uma coroa de louros sobre o meu caixão. A poesia, seja qual for o meu amor por ela, sempre foi para mim apenas um meio consagrado a um fim santo. Jamais atribuí um grande preço à glória de meus poemas e pouco me importa que os elogiem ou critiquem. Mas será uma espada que devereis colocar sobre meu túmulo, pois fui um bravo soldado na guerra de libertação da humanidade.” Considerando que diferentemente do psicanalista que tem o sujeito ali à sua frente, o leitor do poema não tem a oportunidade do diálogo com o autor das imagens. Não há aí uma limitação, ao contrário, é uma forma de conhecimento, pois que não sendo um processo terapêutico, não há a intenção de psicanalisar o autor empírico do texto poético e sim melhor compreender um outro eu, que também faz parte do leitor, pois o poeta é a empatia do mundo, absorve e reflete todas as dores.

Este reflexo na obra literária – a transformação das dores do ser humano em momentos poéticos é o tema de Cecília Meireles no poema “A doce canção”:

A DOCE CANÇÃO
Cecília Meireles

Pus-me a cantar minha pena
com uma palavra tão doce,
de maneira tão serena,
que até Deus pensou que fosse
felicidade e não pena.

Anjos de lua dourada
debruçaram-se na altura.
Não houve, no chão criatura
de que eu não fosse invejada,
pela minha voz tão pura.

Acordei a quem dormia,
fiz suspirarem defuntos.
Um arco íris de alegria
da minha boca se erguia
pondo o sonho e a vida juntos.

O mistério do meu canto,
Deus não soube. Tu não viste.
Prodígio imenso do pranto:
-todos perdidos de encanto,
só eu morrendo de triste!

Por assim tão docemente
meu mal transformar em verso,
oxalá Deus não o aumente,
para trazer o universo
de pólo a pólo contente!

As imagens, na produção poética, se abrem em um leque de direções, mas expressam sempre o interior do autor para o interior do Outro - o leitor. As respostas, que estão além da comunicação verbal, cuja busca incessante é parte do homem, podem estar na poesia, enquanto linguagem a serviço do ser-no-mundo. Essas questões só serão formuladas pela linguagem e através dela. E só na linguagem será possível apresentar ou tentar apresentar as respostas, que, às vezes, serão possíveis se recorrermos à poesia. E a poesia, a crítica e a psicanálise não apresentarão respostas às todas as questões, mas poderão contribuir para a aquisição de conhecimentos e de sensibilidades que tornarão o homem, um ser humano mais criativo, inovador e consciente de seu vir a ser no mundo.

Namastê.

O UNIVERSO POÉTICO DE AUGUSTA FARO




Elizabeth Caldeira Brito


Augusta Faro Fleury de Melo é terra, cerrado é Goiás. Carrega nos olhos, no coração e na memória, o berço amado de seus antepassados e no sangue, a nobreza de bela origem. Herdeira, do legado humanista de suas lembranças, estampa em sua produção poética, o amor ancestral por sua terra natal. Como ocorre em Vila Boa:

VILA BOA

Meu umbigo
é preso inteiro
na placenta verde
de seus morros.

Premiadíssima nos livros infantis, contos e reconhecida como poetisa de primeira grandeza, sua obra (quatro livros de poesia, dois de prosa e dezenas infantis) nos remete a imagens do real, do imaginário e do simbólico, muito bem arquitetadas. Sua criação poética é de pura emoção, mas é a razão que proporciona, direciona e molda a iluminação inicial. A sensibilidade do leitor atento, possibilita visualizar a dualidade: força e leveza presentes em seus poemas. Augusta, por vezes, nos leva a um tempo distante, em que as mulheres se mostravam meigas, delicadas e dependentes.

Em outros momentos, nos apresenta mulheres capazes de forças sobrenaturais, na defesa e proteção de si mesmas, da família e da sociedade. Sua poesia é impregnada de lirismo bucólico, paisagens possíveis na memória das palavras e no registro de um tempo em que a infância tecia molduras nos retratos de afetos:

A CASA DA VOVÓ

Na casa da vovó havia
uma enorme varanda
a rede alvinha
onde deitava
meus sonhos
e via o luar
nas telhas de vidro
medalhas de prata!
Na casa da vovó
relógio tão lindo, muito antigo
cantando as horas
horas vividas e ouvidas ...

Há grande silêncio agora,
os anos roubaram devagarinho...
a varanda enorme, o relógio antigo
o luar nas telhas de vidro
o cantinho de vovó
o pilão, os quitutes
o presépio, o quartão...

Escondidas
moram em repouso
no aconchego eterno
de meu coração triste.

Fernando Pessoa afirmou: “Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir: o que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações.” E assim, escrevendo, Augusta diminui sua febre das sensações. Apresenta-nos paisagens de pura arte na busca do auto-equilíbrio e do bem estar com as emoções. Filosofa poeticamente com os melindres da existência humana, utilizando os recursos de polissemia da linguagem, através de seus enigmas, matizes e mistérios, como se vê em:

AMAVIO

Nunca sei quando chegas,
se vens doendo em solidão.
Às chagas que tenho nas mãos
chegas, e
toca-as
quando doendo estou.
Parto em duas as rosas das faces.
Se partes,
a tua partida me dói
e me chaga as mãos.
E quando chegas
me beijas
as mãos
e delas – as chagas –
que são rosas,
não as das faces,
mas rosas
doendo de vida
e solidão.

Augusta Faro confere voz aos silêncios e as indagações. Cônscia da provisória existência, questiona, de forma lúdica e irreverente, os aspargos das adversidades da vida, num eficiente jogo de palavras, como ocorre em:

TRAVESSIA

Traspassada
trespassada
tripartida
tropeçada
truncada.
Isso lá é vida?

Moema de Castro e Silva Olival afirma no prefácio do livro Avessos do Espelho: “Augusta evidencia conhecer a trilha que leva ao ‘Centro da Poesia’. Isto, porque sabe, como literata e Mestre em Letras, que poeta, hoje, mais do que nunca, é um artífice de seu mister. Se, por um lado, é movido e iluminado pela inspiração, por outro, tem de fazer dela uma compulsão de buscas e imbricações, de vigílias e artesanato, para que Real, Imaginário e Simbólico se entrelacem na teia mágica da verdadeira poesia, tal como se verifica neste belo livro...”. A teia mágica da verdadeira poesia está presente não só neste belo livro, mas em toda sua produção literária.

Tanto a poesia quanto a prosa, é recheada de lirismo, em matizes que mesclam o real e o absurdo. Sua produção se veste de certa inquietude e tensão dissonante, objetivos das artes modernas em geral, como afirma Hugo Friedrich, (1904-1978) crítico alemão. A prosa, eminentemente poética de Augusta Faro... Fica pra depois.


Namastê.

DUELO NA FRONTEIRA



















Para André Mauais, escritor francês (1885-1967) “A cultura é o que fica depois de se esquecer tudo o que foi aprendido”. Então, nada mais espontâneo, genuíno e original que a cultura de um povo. Estivemos em contato com a mais pura manifestação cultural de Rondônia, mais precisamente: Guajará–Mirim. Local de representação da lenda do Boi Bumbá. Situada a oeste de Rondônia, distante cerca de 320 km da capital, Porto Velho, Guajará-Mirim, que significa na língua indígena tupi-guarani, cachoeira pequena, foi criada em 1928 à época da construção da estrada de ferro Madeira – Mamoré, sendo em sua região o ponto terminal da estrada que foi concluída em abril de 1912. Em julho de 1928 Guajará-Mirim, foi elevada a categoria de cidade do governo do Estado de Mato Grosso. Em 1943 passou a fazer parte do território de Guaporé (Rondônia) como município. Conta atualmente com cerca de 49 mil habitantes.

A Pérola do Mamoré, como é carinhosamente chamada, Guajará–Mirim, possui cenários exuberantes oferecidos pela natureza. O encontro das águas límpidas do Rio Pacaás Novos com as águas barrentas do Rio Mamoré, deslumbra os olhos de quem vê. A cidade faz fronteira com Guayaramerim, na Bolívia, cujo comércio é sua maior fonte de renda.

É neste cenário de belezas infindas, de um povo hospitaleiro, cortês e agradável, que possui o céu mais belo do País (é o céu que a empresa Microsoft utiliza em suas imagens) que aportamos – três goianas para julgarem O Duelo na Fronteira. A amostra folclórica de Guajará–Mirim, que se tornou o cartão postal da cidade, compõe o calendário cultural da região e é pólo gerador de renda para a comunidade local. Conglomera e arregimenta a população como um todo. Por esta ocasião a cidade se une e se divide. Une-se em defesa do seu Boi Malhadinho ou Flor do Campo e se divide na torcida pelo Boi Bumbá escolhido. Crianças, desde a mais tenra idade, jovens e adultos, todos participam das diversas etapas, desde a preparação das ricas e criativas indumentárias, dos carros alegóricos e alegorias, até o ápice, que são as apresentações, em três dias (noites) consecutivos.

O tema folclórico é de forma rica e amorosamente desenvolvido, com lendas, mitos e tradições dos caboclos e índios da região amazônica. As apresentações buscam cada ano, representar de forma mais competitiva os Bois Bumbás. Os jurados são convidados de outras cidades ou de outros estados, que julgam, de acordo com o regulamento, os diversos quesitos que compõem o roteiro de apresentação das duas Associações Folclóricas e Culturais: Malhadinho e Flor do Campo.

As apresentações destacam, em ritmo de toadas, as danças das tribos indígenas, inspiradas nas lendas e nos rituais sagrados. Os Bois Bumbás representam de forma lúdica e criativa, os costumes, hábitos e tradições das culturas da Amazônia por seus índios e seus caboclos, despertando grandes emoções e euforias, tanto do público presente no espetáculo, quanto dos componentes dos Bois: Malhadinho (cores: azul e branco) e Flor do Campo (cores: vermelho e azul).

Coube a Goiás a difícil tarefa do julgamento. Praticamente, incomunicáveis e sob escolta de dois seguranças, as juízas: esta que aqui escreve, a musicista Fátima Paraguassú e a atriz Tetê Caetano, (sob o convite da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira - AGEPEL, por sua presidenta Linda Monteiro e sua Assessora Especial de Projetos, Inah Maria Rolin César), tiveram sob olhares atentos e encantados, uma das mais belas representações da cultura de um povo - o seu folclore – o nosso folclore brasileiro: a lenda do Boi Bumbá. A leitura que cada Boi faz de seu mito é emocionante. O carinho, a seriedade e a ética com que as associações se tratam, apesar da rivalidade, é algo extraordinário. O Boi Bumbá adversário, que nunca é chamado pelo nome, é referido sempre como o Contrário. Os Bois tem duas horas para desenvolver seu tema, numa arena lotada, dividida ao meio: metade azul e branco e metade vermelho e branco. E assim, no centro da arena, centenas de pessoas em várias tribos desenham no espaço, coreografias e cenas que colorem e encantam os olhos e arrepiam os poros dos olhares atentos, fixos no brilho dos personagens que compõem a história e o roteiro da apresentação.

O Boi Bumbá Malhadinho com o tema Guaporé Mito, Cultura e Arte foi o vitorioso deste ano (agosto de 2008) e dos três anos anteriores. Com pequena diferença de pontos, sagrou-se campeão, para desespero do adversário Flor do Campo, que defendeu, com grande beleza o tema: O Nosso Ouro é Vermelho. Tanto um quanto o outro, são importantíssimos para a bela Guajará-Mirim, cujas crianças, jovens e adultos vivem sua cultura, preservando a história e as tradições de seu povo, com orgulho e entusiasmo, pois “a cultura é o que fica depois de se esquecer tudo o que foi aprendido.”

MALHADINHO

Que belo Boi da história!
Revive o Malhadinho,
acorda para a eternidade
o folclore de Guajará-Mirim.

O azul do perene infinito
se faz presente no olhar.
E toda a metade inteira
se curva ao seu Boi Bumbá.

O Contrário se cala ao ver
o brilho azul a dançar.
Em êxtase percebe que:
só é feliz com o rubro Bumbá.


FLOR DO CAMPO


Flor do Campo é o encanto
de toda a fronteira mestiça.
Sangra de ouro vermelho
traduz lendas e mitos.

De rubra cor se veste
o mamoré Guajará.
E a verde amazônia enrubesce
ao ver o seu Boi Bumbá.

A lua de cheia envaidece.
O céu mais belo não há.
Assim a metade Mirim
se curva ao seu Boi Bumbá.


Namastê!

NERUDA - O INQUILINO DE ISLA NEGRA



Neruda Escreveu em sua Ode ao Livro: “Livro, quando te fecho / abro a vida”. Ler Neruda. “...é trafegar, com o espírito de um viajante sem destino, por essa fronteira de mão dupla, livro e vida, vida e livro, que estamos sempre a fechar e a abrir”. Afirma Jose Castellano na Antologia Poética de Pablo Neruda.

Poeta da inconstância, do movimento, do susto e da intensidade, sem máscaras ou heterônimos multiplicou-se em vários. Destrinchou a inesgotável condição humana, num reflexo de imagens fragmentadas, volúveis e uma inquietude que tão bem representa no seu fazer poético. Não oferece opção ao leitor: ou mergulha inexoravelmente em sua poesia, de difícil acesso, ou não a terá verdadeiramente ao alcance.

Pablo Neruda nasceu em 1904, foi batizado de Neftali Ricardo Reys, mas em todos os seus livros sempre constou Pablo Neruda. Nome que se oficializou e se tornou verdadeiro, em 1946, quando já contava com 42 anos de idade. Seu nascimento se deu em uma pequena cidade ao sul do Chile, chamada Parral. Mas foi em Isla Negra, uma cidade na costa central do Chile, que após viajar pelos quatro cantos do mundo, que encontra o seu canto, junto ao oceano, inadvertidamente chamado de pacífico, para se instalar com sua terceira e última esposa Matilde e permanecer para além de seus dias.

Neste santuário poético tive o prazer de pisar os pés, mergulhar em seu mundo, conhecer a sua casa: o Museu Pablo Neruda. Uma magnífica habitação onde prevalece a presença de seu dono: as lembranças de sua infância, a fantasia, o humor e acima de tudo o mar, um de seus temas preferidos. A história de cada peça é muito bem relatada pelos cicerones que acompanham as comitivas de visitantes. Era ali que o poeta passava a maior parte do tempo escrevendo, sistematicamente nas madrugadas, em seus cadernos de desenhos, sentado na escrivaninha que pertenceu ao seu pai, José del Carmen Reyes. Os olhos encantados pelo mar, quando a lua resolvia o oceano clarear. Todos os aposentos têm visão para o oceano. Suas “paredes” de vidro, voltadas para a costa, são lentes transparentes que fitam o mar e o infinito.

A casa reflete o universo humano e poético de Neruda, suas infindáveis coleções o mantinham em constante elo com sua trajetória de vida, sendo quase sempre temas de seus poemas. São estátuas de proa, onde cada uma é personagem viva de suas histórias, veleiros dentro de garrafas trazidas de diferentes partes do mundo, estribos de várias localidades do planeta, mais de seiscentas peças de caracóis marinhos de todos os tamanhos, cores e variedades, instrumentos antigos de navegações e um cavalo de madeira de tamanho natural, trazido da cidade berço de sua infância. Fez-se necessário a construção na casa de mais um quarto, para abrigá-lo.

Aliás, a casa consumiu trinta anos para sua conclusão. À medida que aumentavam suas coleções, se sentia obrigado a ampliar um pouco mais sua residência. Há uma parede revestida de lápis lazúli, pedra azul de beleza extraordinária, que só existe no Chile, no Afeganistão e em Burma na Ásia.

A amizade, tema sempre presente em sua obra, (depois do amor, é o preferido do poeta), mereceu destaque também em sua casa. O bar é o local dedicado aos amigos. Enquanto os presentes se reuniam junto ao balcão, os ausentes (mortos) eram homenageados com seus nomes nas vigas do teto. Na entrada duas fotografias, de dois grandes amigos: Federico Garcia Lorca e Alberto Rojas Gimenes.

Assim como a visão do mar oferece uma perspectiva fundamental para perceber e compreender a evolução do poeta ao leitor atento, a sua atitude diante da amizade é também de grande importância. Ele mergulhava em uma destruição geral quando o tema surgia verdadeiro: a morte de um amigo. Neruda em Barcelona é informado da morte de seu grande amigo Rojas Gimenez e transcreve para a poesia uma visão quase surrealista da perda:

“Ouço as tuas asas e o teu lento vôo,
e a água dos mortos me bate
como pombas cegas e molhadas:
vens voando.

Vens voando, sozinho solitário,
sozinho entre mortos, para sempre sozinho,
vens voando, sem sombra e sem nome,
sem açúcar, sem boca, sem roseiras,
vens voando.”

O poeta como a pressentir a morte trágica, por fuzilamento do amigo Federico García Lorca, obcecado que era por manifestações antecipadas do cotidiano da morte, dedicou a ele poema elegíaco, quando o poeta espanhol estava ainda em pleno apogeu poético:

“Se pudesse chorar de medo numa casa sozinha,
se pudesse arrancar-me os olhos e comê-los,
fá-lo-ia pela tua voz de laranjeira enlutada
e pela tua poesia que sai dando gritos”...

Neruda viveu sem rótulos, avesso a erudição, possuía grande apego aos que se sentiam à margem da sociedade. Creditava o amor à natureza ao seu fazer poético. Sentiu-se poeta antes mesmo de perceber sua vocação. Sempre fiel aos seus temas: natureza, amigos e amores, afirmou que “um poeta deve ser um mito”. E tornou-se um mito. E o mito jamais morre.

Em 1971 ganhou o prêmio Nobel de literatura. No início da primavera de 1973 veio a falecer. Seu corpo ficou onde ele sempre quis estar: junto a sua casa e o mar, ao lado de sua Matilde (1912 – 1985). Às águas escuras do pacífico deitou seu corpo a contemplar o mar. Ficou para sempre no encantamento do mar amado. O túmulo é mais um espaço para o visitante se encantar com o bravio oceano de Isla Negra e testemunhar o perene descanso de um mito, que para sempre viverá no universo poético de nossa alma.

Namastê.

JOSÉ MENDONÇA TELES O MIDAS GOIANO


Para Pablo Picasso “Há pessoas que transformam o sol numa simples mancha amarela, mas há aquelas que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol” José Mendonça Teles é assim: de uma fatura vencida de energia elétrica, conseguiu, quando Presidente, uma nova sede para o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. A Profª. Terezinha Viera dos Santos, então secretária estadual de Educação, na Gestão do Governador Maguito Vilela, ao ser solicitada para quitar conta, ofereceu uma nova sede ao Instituto. Construíram um novo e amplo espaço para o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, sendo concluído e mobiliado pelo Governador Marconi Perillo, com o apoio do Dep. Federal Vilmar Rocha. Bariani Ortencio quando se refere ao Mendonça Teles, o chama de o Midas de Goiás: ao seu toque tudo se transforma em ouro.

Pesquisador, historiador e cronista, José Mendonça Teles é um dos maiores defensores do Patrimônio Histórico de Goiás. Foi coordenador do Projeto Resgate, conseguindo trazer do Arquivo Ultramarino de Lisboa, a documentação histórica de Goiás referente ao período de 1750 a 1822. Recebeu inúmeras medalhas e comendas do Governo do Estado de Goiás pelos serviços em prol da cultura goiana. É detentor da Medalha João Ribeiro da Academia Brasileira de Letras. Foi-lhe outorgado o título de Dr. Honoris Causa da Universidade Católica de Goiás, onde lecionou por mais de 34 anos. É o autor de mais de 30 obras e da letra do Hino oficial de Goiás, cuja melodia é do excelente compositor e maestro Joaquim Jaime.

A letra do Hino de Goiás é uma ode ao Estado que tanto tem recebido de seu ilustre filho. É um hino novo, oficializado em 12 de setembro de 2001. Carece maior divulgação para que seja executado em instituições e nas escolas do Estado.

HINO DE GOIÁS

Santuário da Serra Dourada
natureza dormindo no cio,
Anhanguera, malícia e magia,
bota fogo nas águas do rio.

Vermelho, de ouro assustado,
foge o índio na sua canoa.
Anhanguera bateia o tempo:
- Levanta, arraial Vila Boa!

Terra querida,
fruto da vida,
recanto da paz.
Cantemos aos céus, /
regência de Deus, / Bis
louvor, louvor a Goiás! /

A cortina se abre nos olhos,
outro tempo agora nos traz.
É Goiânia, sonho e esperança,
é Brasília Pulsando em Goiás!

O cerrado, os campos e matas,
a indústria, gado, cereais.
Nossos jovens tecendo o futuro,
poesia maior de Goiás!

Terra querida,
fruto da vida,
recanto da paz.
Cantemos aos céus, /
regência de Deus, / Bis
louvor, louvor a Goiás! /

A colheita nas mãos operárias,
benze a terra, minérios e mais:
- O Araguaia dentro dos olhos,
eu me perco de amor por Goiás!

Terra querida,
fruto da vida,
recanto da paz.
Cantemos aos céus, /
regência de Deus, / Bis
louvor, louvor a Goiás! /


Miguel de Cervantes, no século XVII se apresenta em seu auto-retrato, no livro Novelas Exemplares. Podemos ver José Mendonça Teles, por ele mesmo, no livro Amor Diário, com o poema:

RETRATO 3X4

Falar de mim, você me pede.
Então vá lá, querida, anote:
canhoto, nem baixo, nem alto,
sofrido coração, decifra o mote.
Meus olhos castanhos e claros,
poeta, um sentimentalista.
Amo as mulheres, quem não as ama?
Faço minhas artes, sem ser artista.
Meu fraco é a noite, de estrelas,
e o eterno amor, com muita ânsia.

- Um menino grande buscando
a eternidade da infância.
Sou assim, nada vai mudar.
O destino espalmado na mão.
- Um romântico inveterado
acasalando enorme coração.

Nelly Alves de Almeida escreveu no prefácio de Encantamento: “Contista, historiador, cronista, José Mendonça Teles mostra-nos, agora, nova face: é também poeta e faz-nos ver que, para ele, a poesia é necessidade inerente à sua alma de inspirado.” E ainda: “Sua arte define-se como catarse, que lhe traz a sensação de realizá-la plenamente e, nesse estágio, sabe engrandecer sua força expressiva.”

Segundo Ezra Pound, citada por Nelly: “A mais condensada forma de expressão verbal, a boa poesia, faz-se pela escolha das palavras que lhes exaltam a forma e condensam a mensagem.” Diante disso, ela afirma que Mendonça Teles constrói sua obra com simplicidade, conseguindo expor seu pensamento poético com cumplicidade e inquietação no seu tempo presente, que vislumbra uma única direção: ao futuro incerto, ou seja, ao fim eminente.

RETORNO

...Dormi dormindo acordado
com os olhos abertos no tempo
Voltei nas asas das horas
e chorei a velhice da infância.

Na visão do crítico literário José Fernandes, no prefácio de Quando os Flamboyants Florescem: “A imagem é cifra da condição humana”. Ele afirma que algumas vezes, é através dela que a literatura, consegue revelar conflitos inerentes à condição humana, diz ainda: é assim com a poesia moderna contemporânea de qualidade. E finaliza: é da mesma forma com a produção poética de Mendonça Teles, nela a condição humana é permeada pelo tempo e pela força do ser. O tempo é o mediador das horas, à medida que passa, suga os pedaços do ser, fragmentados ao longo do caminho. Pedaços que seriam recuperados metafisicamente, se eternizados pela poesia. Como bem demonstra o poema:


CONTEMPLAÇÃO

Olhei fundo nos meus olhos,
vi que o tempo
tem um fim.
Fui lá dentro
chorar a infância.
- Fechei a porta de mim.






Oscar Bertholdo (1935 – 1991) saudoso poeta contemporâneo um dos mais expressivo do Rio Grande do Sul se referindo a Mendonça Teles, escreveu: “... Em todos os seus poemas há uma poesia de transparência, você escreve sem pretensões de massacrar. Tudo espontâneo. Poesia que chega de mansinho e que não sai da gente.”
José Mendonça Teles é assim: chega de mansinho e fica. Deixando-nos um legado de permanência, não só através de seus livros que conservam memórias, como também na presente lembrança de sua imagem dinâmica, solidária, sensível e sincera. Matizando a vida de serenidade e humor para convertê-la em bela experiência eternizada nas retinas e no tempo, de quem tem a alegria e o privilégio de sua contemporaneidade, compartilhando o aqui – agora, compondo os nossos dias para valerem lembranças, desta efêmera e fugaz existência.





Namastê.

GOIÂNIA EM PLÁCIDO OLHAR



Elizabeth Caldeira Brito



Goiânia, a nova capital do estado se ergue, tendo como bagagem a herança das tradições históricas e culturais de Vila Boa, mesclando modernismo, conhecimento, cultura e visão desenvolvimentista trazidos pelos construtores que aqui chegaram, oriundos principalmente da antiga capital, para fincarem raízes e contribuir para o surgimento da princesa do cerrado, a jovem capital do Estado de Goiás. Com apenas sete décadas e meia, Goiânia alcança o patamar de metrópole e o título de cidade de melhor qualidade de vida do país. Os heróis pioneiros que aqui chegaram entre 1933-1938 se depararam com uma capital mergulhada num canteiro de obras. Uma cidade em construção. Eram intelectuais do poder político, profissionais liberais, pessoas da culta ou semi-culta burocracia, que acreditaram num sonho e construíram a realidade: uma capital moderna, pulsando o coração no cerrado.

A sensibilidade que acompanha o povo goianiense se fez presente desde os primórdios de sua existência. Goiânia não foi inaugurada, teve seu Batismo Cultural no dia 05 de julho de 1942. A idéia da transferência da capital do estado, da antiga Vila Boa, hoje Cidade de Goiás, (reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade, pela UNESCO), para Goiânia, foi iniciada em 1891 em texto constitucional, sendo ratificada na reforma de 1898. Só muito depois, em decreto de 1932, a idéia foi concretizada por Pedro Ludovico Teixeira. No dia 24 de outubro de 1933 foi realizado o lançamento de sua pedra fundamental.

Goiânia conserva ainda o jeito e a gente amável das urbes interioranas. É a capital das flores, possui o maior número de praças do Brasil, é a 2ª mais arborizada do nosso País, se destaca na música, nas artes plásticas e na poesia. É reconhecida pela amabilidade, cordialidade, simpatia e beleza de seu povo.

Plenamente atuante no processo cultural nacional e internacional, especialmente na literatura, onde o ideário e as tendências do modernismo são alinhavados, com o olhar maestro de quem, na batuta das palavras, metáforas e idéias, traduz o universo e leva seu nome, sua história e sua cultura a vários países da América Latina e a outros tantos da Europa.

Goiânia reflete primavera em qualquer estação. Seu espaço abraça encontros de sensibilidade, criatividade e encantamento. Os poetas cantam, se encantam e se surpreendem com a cidade-musa. Da poetisa Heloisa Helena de C. Borges:

...”O Vento, a vadiar pela paisagem,
revira a terra, dá frescor ao sol,
redemoinho rubro abre passagem,
correndo pelo ar em caracol”...


Da escritora Alice Spindola:
...”Abertas janelas
recebem o perfume e o som
da canção que os pássaros dedilham
nas cordas esticadas nos postes.
Martelos-construtores de acordes
completam a melodia.”...

Da poetisa Maria da Glória Mariano:
...”Tropeiros procuram campos,
traçam trilhas, desbravam cerrados,
no coração do Brasil.
Nasce Goiânia, cidade sol.
Pioneiros em cidades troncos,
migram amores, projetos.
Flores distantes.
Quantos sonhos... Dores.”...

A poetisa Therezinha Miranda versa um brinde à cidade:
...”Bendito é o meu ventre,
que a todos acolhe.
E aquele que vem
experimenta pequi.
Num brinde de versos
aponto o caminho
e ao caro chegante digo:
Seja feliz por aqui.”

A imortal Lêda Selma assim a descreve:
...”Balzaqueana-menina,
de pele sempre suada,
Goiânia das madrugadas,
da irradiação de amores,
Dos sonhos azuis, viajores,
dos humores de poesia.”...

Goiânia vai avançando em seu tempo:
...Hoje vertiginosa metrópole,
capital da beleza e flores.
Artérias entupidas de carros
apressados, resguardando amores.

[...] cuidando presente e futuro.
Nem me dei por tamanha mudança!
- Onde perdi minha infância?
- Em que espaço ficou meu ar puro?

À administração que se consolida em boa gestão, pela reeleição para novo mandato, urge providências, especialmente no que se refere ao direito do cidadão de ir e vir com respeito e dignidade. Goiânia e seu povo merece, carece e anseia.


Namastê.

FOTOGRAFIA NO JORNAL

Foto: Nino Giovanetti





Elizabeth Caldeira Brito


Recém-formada em Educação Física pela Esefego, e recém-casada, ministrava aulas de dança, ginástica e yoga nas Escolas Yufon de Goiânia e Brasília, dirigidas pela elegante e dinâmica Nize de Freitas, filha do primeiro prefeito de Goiânia, Venerando de Freitas. Todos os finais de ano, como, ocorre até nos dias atuais, as academias ou escolas de dança faziam apresentações dos trabalhos desenvolvidos no ano.

Naquele final de 1979, Nize de Freitas convidou o ícone da dança jazz, Nino Giovanetti, para coreografar e dirigir o espetáculo Bubbling Brown Sugar, realizado no Teatro Goiânia. Giovanetti possui um currículo invejável para os que lidam com a dança, especialmente o jazz, a paixão daquela professora. Diretor, professor e presidente da Academia Jazz de Ballet Nino Geovanetti, no Rio de Janeiro, era um dos mais requisitados bailarinos e coreógrafos do Brasil. Fez cursos em vários países.

Na Europa, foi o 1º bailarino na Cia de Luciano Lucianni. Morou e se apresentou em Roma, dançou no México e nos EEUU com Martha Granham. No Brasil, foi o 1º bailarino para Carlos Manga e, na TV Excelsior/Rio, dançou com “feras” como Vilma Vermont, Lenie Dale, Bete Faria e David Dupré. Na TV Tupy, atuou com Bibi Ferreira, Moacir Franco e Chico Anisio. Deixou tudo isso para se apresentar, como convidado de Dalal Aschar, na 1ª performance no Brasil. Participou, ao lado de Nina Verthinina e Helenita As Hearp, do 1º Festival de coreógrafos no Museu de Arte Moderna. Integrou o elenco da novela global Dancing Days. Nino Giovanetti é atualmente o diretor tesoureiro e um dos fundadores do Sindicato dos Profissionais da Dança do Estado do RJ, é o coreógrafo da escola de Samba Império Serrano e continua atuante em sua academia no Rio de Janeiro.

Professores e alunos da Yufon ficaram encantados com a presença freqüente de Nino, nas idas e vindas entre Rio de Janeiro e Goiânia, para a direção do espetáculo. Quando se ausentava, os professores eram os responsáveis pelos inúmeros e incansáveis ensaios. Na última vez em que esteve em nossa capital, antes do show, no ensaio geral, ela não se conteve. Tiete. Pediu a ele pra tirar uma foto juntos. Imaginou (recém casada, pudica e marido ciumento) uma foto convencional ao lado de um ídolo. Que nada! Ele lhe disse: “coloque a perna direita aqui” (ela, num salto, colocou a perna flexionada na altura da cintura dele) e segurou-a pela cintura, orientou-a a elevar a perna e o braço esquerdos para o alto, enquanto fazia o mesmo com o braço direito. Ela pensava na ansiedade e no orgulho de estar, literalmente, nos braços daquele patrimônio artístico internacional... E o fotógrafo: clic! Clic! Clic.

Ah! - Conjecturou - depois aguardo o momento adequado e a coragem para mostrar as fotos ao marido possessivo. Dias depois (ela ainda não tinha visto as fotografias), chegando à Escola Yufon para as aulas da manhã, todos estavam eufóricos. Para sua surpresa, estava lá, enorme, estampada na página do jornal, com o Nino Giovanetti, numa pose esteticamente perfeita e harmoniosa. Usaram a foto para a divulgação maciça do show. Ficou mais uma vez orgulhosa e ainda mais ansiosa. Não tinha mostrado as fotografias nem falado sobre o assunto ao marido. Eis que, para sua maior surpresa, ele foi extremamente compreensivo. Percebendo a performance e o encantamento dela pela dança, participou mais ativamente, sem possessividade, do seu trabalho de professora de jazz, bailarina e coreógrafa.


Namastê

DO EFÊMERO AO ETERNO ENTRELAÇANDO PALAVRAS

Foto: Obelisco - Argentina

Elizabeth Caldeira Brito


Dos efêmeros e perecíveis transeuntes, na contemporaneidade dos dias, o que permanece além da existência e da fugaz memória são as criações, as obras de arte realizadas e perpetuadas nas possíveis interações, pelo processo criativo, entre o criador e a criatura, que decodifica a obra de forma única, concretizando assim o processo artístico. Manuel Bandeira muito bem definiu a permanência das obras de arte e dos livros quando escreveu: “Vão demolir esta casa. Mas meu quarto vai ficar, não como forma imperfeita neste mundo de aparências: vai ficar na eternidade com seus livros, com seus quadros, intactos, suspenso no ar”. E os nossos “quartos” vão ficar, indelevelmente intactos, no registro dos livros, que quanto mais alçam vôos, mais distantes e em maior quantidade eternizarão a arte e conquistarão a permanência.

Goiás foi distante levar sua cultura e literatura ao IV Encuentro Internacional Comunitario de Escritores - Entretejiendo el hacer de las palabras - realizado nos dias finais do mês que dá início à primavera, nas cidades de San Juan (capital do Estado) e Albardón, no belo e passional país Argentina. O evento reuniu cerca de 50 escritores: contistas e poetas do Brasil, Argentina, Guatemala, Chile, Venezuela, México, Colômbia e Espanha. Visando intercâmbio cultural, com a possibilidade de mostrar a identidade e compartilhar com os irmãos dos países latinoamericanos, oEncontro se deu nas escolas da região, no Centro Integrador Comunitário, no Centro Cultural de Albardón, no Salão da Capela de Nossa Senhora de Andacollo e ainda nos centros turísticos: Criadouro de Emas na Granja do Rosal, da família González, na Rota do Vinho – Rota gourmet de Albardón e em Termas y SPA de La Laja, tornado possível interagir com os escritores, alunos, professores e o público em geral, compartilhar experiências, buscar soluções aos constantes desafios que se apresentam, enriquecer em diálogos, na esperança de difundir a criatividade, e a cultura dos povos, que em uníssono buscaram conviver, valorizar e preservar, através da difusão da produção cultural, das tradições, do folclore, das lendas e mitos de cada país.

Os diversos saraus, comunicações e visitas programados, na extensa lista de atividades, foram cuidadosamente organizados pela equipe, coordenada pela idealizadora do Projeto a dinamizadora cultural de San Juan, María Esther Robledo de Guzzo, incansável, em sua “ponderável leveza de ser” e por Jorge Elisondo, diretor das Bibliotecas Populares San Martím, projeto pioneiro, que desde 1916 disponibiliza grande acervo bibliográfico aos milhares de usuários nas mais de 1200 bibliotecas do país.

Albardón, um belo nome, que denomina uma colina que sobressai de um terreno, de encanto e tranqüilidade invejáveis, tem pouco mais de 20.400 habitantes. Sua economia é basicamente agrícola. Distante 11km da capital San Juan (praticamente destruída num terremoto em 1944), Albardón abriu seus braços e abraçou o Encontro. Houve mobilização e participação ativa das escolas, da sociedade, do governo da Província de San Juan pelo chefe do Executivo José Luis Gioja e da Prefeitura de Albardón pela Prefeita Cristina Del Carmem López presentes em vários e decisivos momentos do Encontro.

Houve o lançamento da Antologia que leva o nome do Projeto, nela estão poemas e contos dos participantes. Em magnífica apresentação, o livro é distribuído às escolas e Bibliotecas Populares das regiões. Facilitando a difusão dentro e fora do País. Os autores levam em sua bagagem, além do conhecimento e experiências únicas, exemplares, viabilizando assim, o entrelaçamento de palavras, transformando os “quartos”, de imagens efêmeras a eternas, nas páginas dos livros que legamos à vida e que além dela poderão ficar.


Namastê!

AVENA, DEPOIS DO MUNDO, GOIÁS.



Mário Quintana, o poeta passarinho, afirma que a vida não basta ser vivida, precisa ser sonhada. Podemos imaginar quão felizes seríamos se, além de sonhar a vida, pudéssemos em realidade viver esses sonhos. Yvan Avena e sua Monique são assim, transformam seus sonhos em realidade. Avena antes de se encantar com o Brasil, e principalmente com o chão goiano, transformando Goiânia em seu endereço para o mundo, iluminou com sua forte, dinâmica e artística presença vários países. Sempre em busca de conhecimentos e aprimoramento de sua cultura multimídia e universal.
Nascido em Marseille (França) em 1930, tornou-se cidadão do mundo, esteve em moradia na França, Argentina, Suécia, Guiné Bissau e Guatemala. Os primeiros anos de sua vida foram mesclados entre Salon-de-Provence, em Maubourguet (Altos Pirineus) e Sant-Antoine em Marseille.

Avena muito cedo se apaixonou pelas metáforas, mistérios, enigmas e matizes da poesia. E esta paixão não veio só, acompanhado a ela, o encantamento pelos pincéis, tintas, aquarelas, pastel e colagens das artes plásticas. Morando com os pais na Argentina, desde o início da década de 40, pôde dar vazão a esta paixão, quando no final desta mesma década, sob influência de pintores paisagistas argentinos, dedica-se aos estudos de desenho na Mutual de Belas Artes e em 1951 compunha o seleto grupo de poetas de vanguarda da Poesia de Buenos Aires, o mais importante movimento poético das décadas de 50/60 daquela bela capital.

Yvan exerce diversas profissões em Paris e Estocolmo, após retornar à França em 1955. Em 1964 abre sua primeira galeria de pintura com alguns amigos. Em 1969 juntamente com a esposa Monique, cria a galeria Arte Galeria em Antibes.
Formado em Engenharia mecânica, retoma a partir de 1978, sua profissão em Guiné-Bissau. Nesta ocasião conheceu o Professor Ruy Rodrigues da Silva (atualmente o vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás) que sob exílio, escolheu a África para abrigo e labuta e neste aceno, mais um sonho de Avena tornou-se realidade: um grande e bom acervo de autores goianos em mãos, viabilizado pelo amigo goiano Ruy Rodrigues da Silva.

No início dos anos 1990, residindo e usufruindo da milenar e indestrutível civilização e cultura da Guatemala, pôde dedicar-se integralmente às suas paixões: a poesia a as artes plásticas (enquanto Monique montava uma das maiores coleções de Huipilis da América latina, uma vestimenta sagrada dos povos Maias da Guatemala, que identifica quem usa, integrando-o ao mundo familiar, ao local e ao universo em que está inserido), e assim Avena se torna um especialista na poesia latino-americana, principalmente a da Guatemala e a do Brasil, incrementando sua produção poética e a ilustração de poemas, com tempo integral devido à aposentadoria.

Publicou 20 coleções de poesias e artigos sobre poesias nas revistas Florilège, Traces, L’Arme de l’ecriture, Europoésie, Poesia Toda (Espanha), Littera (Panamá), Big Bang (Argentina) e mais...

Participou de exposições com o grupo Pléiade de 1998 a 2001 em diversas instituições regionais de Midi-Pyrénées (região metropolitana da França). É Representado em coleções privadas e públicas na França, Espanha, Suécia, Suíça, Guatemala, Argentina e mais...

Expôs individualmente suas obras na Guatemala, Palma de Mallorca (Espanha), Laval (terceira cidade mais populosa de Quebec), Beaune (França), Honduras (País da América do Norte), Lecture e Limoges (França) e em Goiânia.

A partir da exposição de suas obras em Goiânia em 2003, Avena fez malas e, dois anos depois, nossa acolhedora cidade passou a ser sua moradia. E a literatura cerrana voou distância. Aqui, armou-se de tintas, pastel, colagem e papel, mostrando toda sua força plástico-poética, na transcrição para a linguagem ilustrativa e na tradução francesa, representando o que sente e o que capta da poesia, ilustrando-a com a vida, a cor e a beleza de seu toque mágico. Suas obras de arte registram o momento poético de pessoas, lugares, sonhos, do real, do simbólico e do imaginário, presentes nos autores consagrados na literatura goiana e brasileira, atuantes na arte de transformar em literatura o amor, a dor, a ética, a paixão, os encontros e desencontros, e os encantos e desencantos do mundo moderno. A poesia, nas releituras de Yvan, apresenta-se com novas roupagens, com sutil sonoridade, cores, luzes, brilhos e esplendores, em seus diversos signos: flores originalmente criadas, figuras humanas e aves estereotipadas, expressivas e misteriosas ao mesmo tempo.

Suas linhas dinâmicas e precisas ilustraram e realçaram as cores dos poemas de poetas internacionais, nacionais, goianos e numerosos poetas de diversos períodos da evolução literária, tais como: Baudelaire, Humberto Ak’abal, Edith Södergran e ainda: Ada Curado, Affonso Romano de Sant’Anna, Afonso Félix de Souza, Aidenor Aires, Alice Spindola, Astrid Cabral, Augusta Faro, Brasigóis Felício, Delermando Viera, Edmar Guimarães, Edival Lourenço, Elizabeth Caldeira Brito, Carlos Nejar, Cora Coralina, Fausto Valle, Ferreira Gullar, Gabriel Nascente, Geraldo Coelho Vaz, Dos Anjos Carreiro, Gilberto Mendonça Teles, Heloisa Helena C. Borges, Helvécio Goulart, Itamar Pires Ribeiro, José Mendonça Teles, Lêda Selma, Ledo Ivo, Leodegária de Jesus, Luiz de Aquino, Maria Helena Chein, Maria Luisa Ribeiro, Miguel Jorge, Moacyr Félix, Neusa Peres, Regina Lúcia de Araújo, Sônia Maria Santos, Thiago de Melo, Valdivino Braz, e Yêda Schmaltz.

No trabalho artístico de Avena, tem-se a oportunidade de infiltrar na autêntica sensibilidade do universo poético dos autores por ele traduzidos, quer seja para artes plásticas, quer seja para outra dimensão lingüística, a língua francesa. As poesias têm sido distribuídas por ele na Europa, nos países: França, Suécia, Espanha e Itália. Ainda tem publicado poemas de autores goianos nas revistas francesas: Inédit Nouveau (Bélgica) Florilége (França), Traces 153 (França) e Lês Amis de Thalie (França).

Além do encantamento literário com os poetas goianos, Avena se identificou com os traços, cores, tintas e expressões de dois artistas plásticos de nossa terra: Alessandra Teles e sua doce geometria e G. Fogaça com suas metrópoles delirantes. Graças ao apoio cultural de Yvan e Monique, puderam expor suas obras de artes em destacadas galerias da exigente e lendária França, cujo sucesso foi amplamente alcançado e as telas goianas adquiriram endereços franceses. Sob a batuta dos Avenas, G. Fogaça expôs ainda na Espanha, em Palma de Mallorca, incrementando em 20 anos sua empenhada carreira, como depõe o próprio artista.

O filósofo alemão Shopenhauer, escreveu: poemas não podem ser traduzidos, apenas repoetizados. E o peregrino passo Yvan Avena repoetiza poemas brasileiros, especialmente os feitos em Goiás, para flamejá-los ao mundo se aquietando aqui.
A ele a gratidão goiana, nesta homenagem poética:


PEREGRINO PASSO

Para Yvan Avena



Face porto caminhos.
Dorsos alados
acolhem horizontes.
Estradas roídas
no vento do tempo
em súplica hora.
Rastros e imagens
no arco triunfam.
Traços exatos:
pessoas, plumas,
esfinges de cores.


A dança margeia
o rio em queda.
Brilho nas sarças
do Sena, que acena
saudades.


E o cerrado acolhe
o peregrino passo.



Namastê

DITADURA MILITAR EM GOIÁS. A HISTÓRIA RECONTADA


Monumento em homenagem às vítimas da ditadura militar em Goiás.
Instalado em praça de Goiânia




Elizabeth Caldeira Brito

Na recente inauguração da Praça das Artes em Goiânia, um belo espaço que busca ressaltar a paz entre os homens, o Prefeito 24x7 (24h de trabalho por dia, 7 dias por semana) Iris Rezende Machado afirmou que “hoje Goiânia é a cidade da paz, do amor, da compreensão e da parceria...” Goiânia nem sempre foi “a cidade da paz, do amor...” A história, agora resgatada, mostra a repressão política e as seqüelas, nos que lutaram para o fim da ditadura militar em nosso Estado. Ele mesmo foi perseguido, humilhado e destituído do mandato à época.
“A história não dá razão. A história é um homem surdo respondendo perguntas que ninguém faz.” Esta analogia é apresentada por um personagem de filme. Ela mostra a neutralidade da história. O que pode ser mensurável são os acontecimentos, os conteúdos e as vivências. A história não existe sem o registro. Relegada ao esquecimento, esvanece, camufla e destrói a memória do povo e do seu tempo.
Para que isto não ocorra, o Ministério da Cultura, o IPHAN, a Assembléia Legislativa do Estado de Goiás e a Comissão dos Direitos Humanos se uniram, para o registro da memória (ainda) viva dos ativistas e testemunhos dos que compartilharam a angústia, a dor, o sofrimento e as humilhações advindas da repressão política da ditadura militar (1964-1985). O livro, A Ditadura Militar em Goiás – Depoimentos para a História, organizado pelo jornalista e advogado Pinheiro Salles, vem trazer a lume as atrocidades cometidas naquela época, através de depoimentos chocantes de militantes políticos: estudantes, sindicalistas, parlamentares e camponeses.
“O livro compõe-se de relatos emocionantes e às vezes escabrosos. Essa experiência não pode ser esquecida. As pessoas estão morrendo e elas precisam ser lembradas”, conforme afirmou Pinheiro Salles, no lançamento do livro. Ele também depõe suas experiências traumáticas. Um dos lançamentos se deu nos jardins do IPHAN, em noite bucólica, quando o céu e em pingos de chuva, compartilhou a dor das perdas e das seqüelas deixadas em quem esteve nos porões da ditadura em Goiás. Ao som suave do samba pátria e depoimentos doloridos e assombrosos, a noite foi instante.
Salma Saddi, diretora do IPHAN, afirmou que “Muita gente pensa que a ditadura militar foi mais branda no Estado de Goiás, ou até que não aconteceram crimes contra a população goiana, mas esse livro veio para mostrar que aqui não foi diferente e que muitos sofreram para que a democracia desse os seus primeiros passos.”
Carlos Alberto Santana creditou à repressão militar a apatia política do jovem de hoje. Para ele a ditadura “conseguiu anestesiar a geração atual que hoje assiste complacente a todos os assaltos aos valores e à honra da coletividade.”
O Deputado Mauro Ruben, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, afirmou na ocasião: “Goiás foi o único Estado que não acertou as contas com os torturadores que agiram a mando da Ditadura Militar.” E o livro cita quem são, onde estão e se fizeram de seu passado dissimulação ou trampolim.
O Presidente da Assembléia Legislativa, Deputado Jardel Sebba, apresenta no livro o compromisso do legislativo que não se restringe a homenagear atos heróicos e instantes de glória. Afirma que é preciso, às vezes, tocar em feridas antigas jamais cicatrizadas.
Foram 284 mortos em Goiás, entre ativistas ou não. Um dos que pagou com a vida, o ideal de liberdade e esperança, foi Ismael Silva de Jesus, de dezessete anos, nosso vizinho e amigo. Parceiro dos folguedos infantis dos meus irmãos, costumava sair conosco para os passeios dominicais em família.
O testemunho da humilhação, agonia, desespero e certa resignação de Ismael, preso no 10º Batalhão de Caçadores (2ºBIM), é apresentado no livro por Agnaldo Lázaro Leão. Ele nos mostra os últimos instantes daquele menino amigo, antes de ser assassinado. Depois simularam suicídio.
À época dediquei-lhe o texto Repressão.

REPRESSÃO
Fez do viver ideal.
Por ele foi seqüestrado.
Por ele foi torturado.
Por revelações, morto.

Esperavam sua volta:
alegrias e esperanças.
Voltou inerte, deixando-nos:
saudades, dores, lembranças...

Da dedicação e garra,
da curta vida altruísta,
que a repressão roubara,
por julgá-lo comunista.

Que as experiências, a transparência e o registro da história, sirvam de ferramentas para o alicerce de uma nação mais justa, democrática, coerente e igualitária.
O livro está sendo distribuído pela Comissão dos Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de Goiás.



Namastê

A DIMENSÃO POÉTICA DE COELHO VAZ


Elizabeth Caldeira Brito


Conhecer o escritor Coelho Vaz em sua experiência e produção literária constitui testemunho de seu labor e determinação, tanto na literatura, quanto na pesquisa, na genealogia, na biografia e na preservação da memória histórica de Goiás. Mergulhou em estudos sobre Senador Canedo, Poder Judiciário e Academia Goiana de Letras, publicou excelentes trabalhos sobre aquele personagem e as trajetórias históricas dessas Instituições. Oferece, com suas duas dezenas de publicações, subsídios à ciência, à literatura, à antropologia, à sociologia e à história de sua terra – Goiás. Seu primeiro livro, Poema da Ascensão teve prefácio de Gilberto Mendonça Teles, que afirmou ser sua poesia espontânea, tocada de certa angústia, que não chega ser, contudo uma filosofia amarga da existência. É por exemplo, o caso de Poema da Ascensão, que empresta o título ao livro. Há nesse poema uma especulação de imagem e de verso em bela exploração semântica na utilização da palavra foi em duplicidade de sentidos, constituindo uma riqueza na expressão poética. O verbo ir/ser que só nos dois últimos versos, completa o sentido.

POEMA DA ASCENÇÃO

Foi um pássaro
E voltou.
Foi um cântico suave
E voltou.
Foi um sorriso alegre
E voltou.
Foi minha irmã para o céu
e nunca mais voltou.


Vários são os escritores e críticos literários, que mobilizados e sensibilizados com os poemas de Coelho Vaz, emitiram suas opiniões acerca de sua produção poética. Fernando Py, escritor, tradutor e colunista literário, fez este comentário sobre o livro Caminhos de Sempre: “Temos aqui uma poesia que se volta, de preferência, para os estudos subjetivos (o que antigamente se chamava “estado d’alma”). Porém, Coelho Vaz não é apenas um poeta intuitivo, a fazer versos em que o hermetismo seja a tônica predominante; não, sua poesia tem o que dizer e o diz. Mas sua maneira de dizer é alicerçada sobretudo em imagens expressivas. O poeta de há muito já domina sua expressão pessoal e busca, de livro em livro, diversificar sua temática, abrir cada vez mais o leque de suas perspectivas de linguagem e poesia”.

José J. Veiga afirma que “Coelho Vaz tem o sentimento da poesia e isso é essencial.” O escritor José Fernandes da Academia Goiana de Letras, afirma no prefácio de Corpo Noturno que “Os cuidados que o poeta dedica à amada são os destinados à poesia, mulher ainda mais delicada que requer falas e carinhos especiais para se deixar possuir no leito das imagens, das metáforas e dos símbolos.”

Fernando Py afirma, sobre O Corpo Noturno: “os poemetos do livro têm realização excepcional e alguns deles chegam a ser pequeninas obras-primas de contenção vocabular e expressão bem acabada” cita como exemplo:

20

Teu cheiro
de brasa
clareia
meu pensamento
na ardência
da luz
de teu sol.


27

Amamos
em noite escura
ou em noite clara.
Sonhamos
e vagamos
Nas fantasias
dos silenciosos versos
que rasgam vísceras
nos contornos
das delícias
de tuas coxas.

Para o escritor Marcos Almir Madeira, da Academia Brasileira de Letras, a poesia de Coelho Vaz “tem o gosto do sal e do açúcar da terra, poesia embebida em realidades do meio, produto de uma forte consciência telúrica. E aí está o alcance sociológico das suas páginas vivas e vividas. É um poeta com os pés no chão e dá-nos a ver um mundo de beleza diferente – um romântico às vezes mais ou menos irônico, sob o encantamento dos valores campesinos, lançando-se à espiritualização de coisas, fatos, instrumentos, homens e bichos de uma vida rural inconfundível”.
Ivan Junqueira (Ex-presidente da Academia Brasileira de Letras) fez referências elogiosas no prefácio de O Outro Caminho, que foi prêmio da Bolsa de Publicação Hugo de Carvalho Ramos – 2005 concedido pela União Brasileira de Escritores – Seção Goiás em convênio com a Prefeitura de Goiânia.
Coelho Vaz demonstra em sua trajetória poética e literária, um amadurecimento digno de alguns poucos, que conseguem e mantêm a serenidade e a segurança de saber senhor de sua expressão, arte e vida.



Namastê.

A BÊNÇÃO, CATELAN. TEU SERTÃO QUERIDO.


Elizabeth Caldeira Brito

Para a aquisição do conhecimento operativo os instrumentos são a arte, a cultura e a literatura. Nelas a existência humana se revela, se desvela e se desnuda como é e no vir a ser da vida. A arte mobiliza e motiva o homem a se apossar da vida de forma autêntica. A procura do saber nos remete às origens.

Assim fez o Professor Álvaro Catelan, cuja voz é hóspede da memória auditiva, evocativa e recente, de grande parte de nós. Ele iniciou seus trabalhos em Goiânia na Rádio Difusora, onde ocupava poeticamente, as tardes da tranqüila e bucólica Goiânia dos nossos sonhos. Invadiu sonoramente, com poesias, mensagens e belas melodias os nossos sentimentos, através da Rádio Brasil Central, RBC-FM e Mil FM. Formou-se em Letras vernáculas. Professor de Literatura. Há décadas é pesquisador da cultura popular do Brasil. Contribui com seus estudos, conferências, publicações e programas para manter viva, na memória do nosso povo, a música caipira (não confundir com sertaneja, urbaneja ou country) com sua beleza e sonoridade poética plural, dando a oportunidade, aos que procuram o saber, de encontrar na identidade cultural de nossa gente, as nossas raízes históricas, culturais e nossas tradições.

Retratando a realidade do homem simples do campo, a música caipira e a viola traduzem o perfil e a identidade do homem brasileiro: com seu trabalho, lazer, comportamento, dificuldades, sonhos, mitos, religiosidades, crendices e lendas, presentes em nosso inconsciente coletivo, através dos imensos quintais enluarados de nossas lembranças, nos banhos de rios e cachoeiras de nossos domingos virtuais, no cheiro do mato verde em nossa saudade e nos sonoros regatos, fluindo nas varandas de nossas recordações.

Todos os domingos pela manhã, mergulhávamos nestas memórias, sentindo o sertão dentro de casa e vislumbrando um ideal de preservação de nossa cultura, através do programa de Álvaro Catelan Cantos do Brasil e Recantos de Goiás, líder de audiência no horário das 7h às 9h, na emissora estatal RBC-FM, agora sob nova direção do radialista Paulo Francisco Ferreira, Gerente Geral e “modernizador” da empresa que é do povo e para o povo. Visando “optar para uma programação elitizada, classe A” determinou que fica proibido a execução de “música caipira” durante o dia, ceifando, esta magnífica iniciativa de resgate, preservação e difusão de nossas raízes por uma emissora governamental.

Assim, nesta modernidade goiana, não seremos mais despertados, bucolicamente aos domingos, pelo mestre Catelan. Não teremos doravante, a oportunidade de acordar e continuar sonhando, na companhia do sertanejo, no oitão da casa, a contemplar a lua, ponteando sua viola, na alma que se despedaça nas cordas doloridas - Relembrando Claudino Silveira na abertura de seu belo programa No Mourão da Porteira pela rádio Difusora de Goiânia.

E Goiânia se moderniza em todos os aspectos. Segue perdendo seu legado histórico, cultural, arquitetônico e urbanístico. Vozes isoladas que ainda resistiam... Emudeceram mais uma.

Namastê.